O esporte possui um grande potencial de socializar indivíduos das mais diferentes classes, religiões, gêneros, entre tantas outras diferenças presentes na nossa sociedade. Através de uma partida de futebol na rua, de um jogo de vôlei na escola, um jogo de basquete na praça, pessoas se relacionam, fortalecem amizades, criam vínculos mesmo sem nunca terem se visto. A importância da prática esportiva em nossa sociedade vai além dos benefícios na saúde física do homem. “É possível perceber-se o desenvolvimento das relações socioafetivas, a comunicabilidade, a sociabilidade, ajustando socialmente esse homem ao meio que vive” (BURITI, 2001, p.49). Não importa se for uma competição, uma brincadeira ou parte da aula de Educação Física, a socialização com os demais está intimamente ligada ao jogo. Mesmo sendo um esporte individual, o praticante se relacionará, competirá com outros participantes, dividirá tristezas e alegrias.
A sociabilidade, ou seja, a troca de vivências, enriquece nossa vida, nos faz enxergar para além de nós mesmos. Ajudar um companheiro, desafiarmos nossos limites, superar obstáculos, são alguns dos acontecimentos vivenciados durante a prática esportiva. Mas, infelizmente, em muitos centros urbanos estas vivências estão cada vez mais raras, por diversos fatores: violência, falta de espaços adequados, trabalho infantil ou na adolescência, como também, a presença do mundo virtual na sociedade de hoje, que afasta as crianças de atividades esportivas para deixá-las horas em frente ao computador em jogos, redes sociais e sites de relacionamento. “Nos tempos de crises culturais a imagem do homem é a primeira a ficar abalada. O homem sente-se perdido e em perigo” (SANTIN, 1993, p. 20).
Mas esta realidade não pertence somente às crianças e aos adolescentes. Os adultos também, na sua grande maioria, leva uma vida sedentária, sem tempo para o esporte. Divide-se o tempo com a família, o trabalho, tarefas domésticas, enfim, uma infinidade de obstáculos para a inserção do esporte na vida das pessoas. Até mesmo as amizades e as famílias são prejudicadas neste estilo de vida. As pessoas possuem pouco tempo para conversar, para brincar, se conhecerem melhor, se divertirem juntas. Como refere Santin (1993) nesse contexto de conflitos, de correrias, de falta de tempo e de perplexidades diante de si mesmo, o homem inicia uma reflexão sobre os valores na sua vida. As pessoas passaram a conviver mais com seus colegas de trabalho do que com sua própria família. É normal encontrarmos famílias em que a criança passa o dia na escola ou na creche, os pais trabalham o dia inteiro, muitas vezes, até a noite, almoçam e jantam fora, fazendo de sua casa uma pousada, onde a visitam somente para dormir, e no outro dia, começam a rotina novamente. Para se viver nesta desgastante sociedade moderna, Buriti (2001) ressalta a importância da atividade física e do lazer para aliviar as tensões do cotidiano, pois promovem diversos benefícios, favorecendo tanto a saúde física, como mental.
E todas estas atividades e compromissos presentes no dia a dia do ser humano influenciam extremamente sua vida, tendo como consequência o trabalho e seus colegas como, em muitas situações, sua primeira casa e família. Bauman (2001) relata que os compromissos, as tarefas e o trabalho de hoje, são obstáculos para as oportunidades de amanhã, o agora é a palavra chave, o imediatismo dita a velocidade do mundo. Não se dá mais o tempo necessário para os resultados aparecerem, eles devem ser imediatos, raramente existe a fase do amadurecimento. No esporte esta realidade também está presente, como na profissão de treinador de alguma equipe, nos atletas de rendimento, nas categorias de base de clubes, entre tantos outros exemplos.
O esporte em nossa sociedade se manifesta de diferentes formas e em diferentes espaços. Para compreendermos melhor o fenômeno esportivo e de que forma ele é praticado nos dias de hoje, Tubino (1996) classificou-o nas seguintes dimensões: esporte-educação, esporte-lazer e esporte de rendimento. Através das dimensões acima citadas, o esporte é capaz de produzir a socialização de seus participantes que aprenderão, e consequentemente, reproduzirão valores e desvalores na sua prática. O esporte-lazer, como coloca Tubino (1996) é diferente do esporte educacional ou de rendimento. Ele é autônomo, livre, sem a obrigatoriedade da participação do indivíduo ou do dever de cumprir metas e títulos. Sua participação não será avaliada com notas, números, recordes, classificação ou risco de eliminação ou nenhuma outra forma de pressão ao participante. O esporte acontece de forma despretensiosa, com o único intuito de lazer, de prazer pela atividade física, por objetivos próprios, e não postos por outros, como o professor, o treinador ou a torcida. O esportista por lazer é o seu próprio treinador, o seu próprio professor e torcida. Ele dita as regras de qual esporte realizará hoje, de como será sua performance, sendo ele também o criador de suas metas e objetivos.
No esporte educacional, a ação deve proporcionar aos seus participantes, bem-estar e interesse pela atividade. Somente a obrigatoriedade de participar da aula ou do treino, não trará efeito educativo para seu praticante. Desde as aulas na escola, nos projetos sociais, o esporte deve proporcionar a construção de valores, do caráter dos alunos, de respeito às individualidades dos demais participantes. Se o professor não percebe esta importância, pode ele ser responsável por tornar a Educação Física um verdadeiro trauma para alunos que tenham algum problema de convívio social, ou até mesmo, criar algum empecilho. Direção, equipe pedagógica e professores têm nas mãos a responsabilidade de fazer com que o aluno sinta-se acolhido na sua escola, em sua turma. Os professores de Educação Física ainda trabalham com questões relacionadas ao convívio em grupo, respeito às regras, resolução de atritos e desentendimentos durante jogos e atividades coletivas, limites dos outros e os seus, solidariedade, trabalho em grupo, desafios, disputas, etc.
Muitas vezes, os professores precisam tomar atitudes que são de responsabilidade da família, uma educação de moral, de princípios, de valores, que deveriam ser responsabilidade da família, mas como muitas vezes ela se encontra ausente ou descomprometida com a educação, professores precisam fazer o papel de pai e mãe na escola. “À Educação escolar têm sido atribuídas funções complementares na sociedade, que lhe retiram sua essencialidade e a transformam em instrumento de múltiplas funções, impedindo-a de compor sua tarefa central” (RODRIGUES, 1992, p. 55). Quando a missão de construir valores não é exercida pela família, cabe à escola preencher este vazio nas crianças. “A família pode ser considerada um dos principais responsáveis pela iniciação da criança na prática esportiva. Porém, ela pode servir tanto como elemento facilitador quanto complicador para a permanência nessa prática” (MARQUES, KURODA, 2000, p.130). Existem pais que apoiam seus filhos, entendem suas limitações e seu tempo de amadurecimento no esporte, mas também há pais que não reconhecem o esporte como aprendizado, reclamam da performance de seu filho, xingam o juiz, questionam o professor ou treinador. Se os pais tomarem o exemplo dos pais compreensivos, Marques (2000) afirma que a família contribui para o desenvolvimento de motivações, autoestima e construção de valores, e auxilia no processo de construção de identidade da criança.
Outro grande problema é a questão da competição envolvendo jogos escolares. Os professores precisam entender que os jogos são uma forma de socializar os estudantes, que são momentos de diversão e, principalmente, de aprendizado. Caso isso não aconteça, corremos o risco de tornarmos estas competições em legítimos campos de batalha, ambientes de exclusão, de supervalorização da vitória, do vexame de uma derrota por não saber perder, da humilhação, assim por diante. Neste sentido, Marques (2003) comenta que os campeões são os mais bajulados, já os derrotados, mesmo que tenham conseguido a segunda colocação, ficam somente com aquilo que sobrou de prestígio. Situação pior ainda sofre aquele que sequer foi relacionado para a equipe. Este se torna invisível, motivo de brincadeira para a turma ou excluído para outras atividades, pois somente os melhores, os mais habilidosos fazem parte das equipes. Relacionando as equipes profissionais com as equipes escolares, Santin (1993) comenta que as delegações de equipes esportivas só são reconhecidas quando voltam com medalhas. Devemos nos perguntar até quando a minha felicidade é saudável vendo o adversário derrotado, humilhado ou desiludido por se achar perdedor. Será que não conseguimos encontrar formas que todos saiam vitoriosos ou pelo menos ninguém saia com o sentimento de derrota? Será que precisamos ter sempre vencedores e perdedores ou podemos valorizar prioritariamente a integração e a participação de todos? Assim como uma vitória pode marcar a vida de um jovem para o resto de sua vida, uma derrota, um erro, uma eliminação pode ser causa de um trauma para o resto da vida deste jovem, bem como um afastamento para sempre do esporte.
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